O 'novo'

Os Portugueses (tenho que me habituar a dizer as pessoas que nasceram em Portugal - o José Gil no ensaio "Em busca da identidade" sublinha o facto dos Portugueses, serem Portugueses antes de serem pessoas; este sentimento é a causa de uma alienação colectiva que nos desumaniza e nos autoriza o 'chico espertismo', o egoísmo e o fatalismo)... Vamos lá então humanizar - é o novo a nascer, sobre a forma de uma consciência de nós próprios ;-) :

As pessoas que nasceram em Portugal iniciaram uma aventura pelo Mundo. Nessa aventura cruzaram-se com o 'novo'. Com algo que nunca tinham visto. Alguns desses 'novos' estão gravados nos nossos monumentos - por exemplo na Torre de Belém temos os 'rinocerontes'. Reparem o impacto deste novo, que estas pessoas e os seus descendentes decidiram gravar em pedra o 'novo'. O 'novo' tem sempre este impacto.

As pessoas que andaram além mar contemplaram o 'novo'. Para esse 'novo' (e.g. rinoceronte) não tinham linguagem (e.g. a palavra 'rinoceronte'). Estão a ver, a sentir mas não sabiam nomear, conceptualizar.  Como partilharam ente si, os que contemplaram ? E como iriam partilhar com os outros, que não viram ? Talvez desenhando, representando, usando o conhecido, como 'parecia um boi, mas era mais baixo, mais forte, tinha a pela mais clara, não tinha dois cornos ao lado, antes dois cornos a frente'. Quem ouvia, como imaginava o 'novo' ? De mil e uma formas... até que um dia trouxemos um exemplar e muitos puderam ver. A necessidade obriga a criação do conceito e a sua nomeação. Hoje, ao invocarmos o símbolo 'rinoceronte' ocorre-nos o conceito, o desenho/ imagem e todas as associações que fizemos, desde os animais no jardim zoologico, ao Safari que fizemos, ao jogo de computador, aos desenhos animados ou à referência na Torre de Belém. Imaginem os sentimentos que gerou: medo, curiosidade, ansiedade, stress, curiosidade, ... e nas milhares de histórias, de risos nervosos, pontos que se acrescentaram, ... ao longo de dias, anos, séculos. Penso que ainda hoje é possível encontrar pessoas que não conhecem o símbolo 'rinoceronte' e que conseguiriamos reproduzir parte desta história.

Este é o relato do 'novo'. Qualquer que seja o tema, ele surge sempre desta forma. Podemos substituir a palavra 'rinoceronte' por 'avião', 'computador', 'internet', 'telemóvel', ... e podemos sempre contar esta história. Muitos de nós lembram-se de como algumas destas palavras entraram nas suas vidas e o que foi o sentir da emergência do 'novo'. O que diziam as avós e as mães. O que foi a curiosidade e os mitos.

Há um aspecto que importa iluminar neste 'novo'. Ele não existe para alguém, porque esse alguém nunca o 'viu' e como tal nunca lhe deu significado (e.g informação sensorial, emoções). Mas o facto de não existir para alguém, não quer dizer que não existisse. O rinoceronte já existia antes das pessoas que nasceram em Portugal o verem pela primeira vez, mas foi o acto de ser observado que lhe deu existência, para elas, do rinoceronte, e esse facto mudou a sua vida e deu nova vida ao 'novo'.

Daqui resulta 3 aspectos do 'novo' que quero sublinhar:

- um é que o 'novo' já existe; acontece é que nós não o conseguimos 'ver'; e como não o vemos ele não existe para nós; mas está a nossa volta, invisível ao nosso sentir (são as coisas de Deus ou do Diabo; as mãos invisíveis; a sorte e o azar; e outros nomes que fomos dando) - é o quântico da coisa: só quando observamos é que existe - é o gato de Schrodinger;

- o outro é que o 'novo' ao não ser 'visto' não consegue ser nomeado, tornando difícil criar símbolos, que permitam a sua comunicação; se não 'vemos' o 'novo' como podemos falar dele ? como podemos explicar ao outro ? - é a emergência, a auto-referenciação, a auto-organização, a autopoiese.

- o terceiro ponto é que, quem sente o 'novo', vai expressar o 'novo' segundo as linguagens que percebe, seja a arte (e.g pintura, música, poesia, escrita, cinema), a ciência, religião, filosofia, ... e vai expressar usando a linguagem e os conceitos que existem hoje para tentar criar novos símbolos, novos significados - o 'novo' emerge, a partir dos recursos que temos ao presente, dos conceitos que conhecemos; por aqui se explica porque várias pessoas parecem descobrir o mesmo em vários sítio em simultâneo e em geografias e artes diferentes (memes e vmemes da dinâmica da espiral).

Nós já estamos a viver o 'novo'. Ele já cá está. Muitos já o estão a sentir de forma consciente e começam a expressar.  Por ser observado começa a existir. E a permitir que outros o observem. Estamos a criar os 'simbolos' para podermos comunicar uns com os outros. Este 'novo' também terá muito impacto sobre nós e também será difícil de nascer. Este 'novo' é paradoxal, é não-linear, é não-intuitivo, é vivo. É um 'novo' que diz que não precisamos de um lider, de um Deus para nos comandar e controlar. É um 'novo' que diz que quando mais livres formos e quando mais conscientes da nossa liberdade formos, maios será a nossa capacidade de aceitar a ordem emergente e sermos flexíveis perante a vida. Este 'novo' sabe que, o Mundo real, não se rege pelas leis das pessoas, antes pelas leis do universo, da vida. Real é o terremoto ou as marés que não podem ser mudados. Países, sistemas democráticos, sistemas financeiros, mercados, desemprego, pobreza, ... tudo isso podemos mudar. Basta aceitarmos que somos livres, que eu sou livre e que o outro é livre.

Por exemplo, no Ciclo de Workshops "Todos podem aprender empreededorismo" já estamos algo desse 'novo'. Dessa inteligência colectiva que emerge quando as pessoas se sentem ligadas a si próprias e a sua essência: cuidam umas das outras, partilham o que sabem, aprendem com o outro, com um seu semelhante, num ambiente seguro e livre.

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